terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Abismo

E em vão tentarão se multiplicar em imagens:
labirinto de espelhos sem face.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

São João

Quantos trarão a Lanterna alerta
e a grata presença na vivaz reunião
a grande fogueira da alegria
na última noite de São João?

Desperta, meu irmão!

domingo, 7 de novembro de 2010

Mentira

Irritadíssima ela objetou:
É mentira
que possamos nos tornar estrelas!

Sem hesitação, disse, então:
Claro mais não seria!
Não enquanto levarmos a mentira
estampada à face.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Chaque Petite Chose

Chaque petite chose
qu'elle fait est magique

J'ai trouvé l'oiseau fantastique
qui m'a donné réunion acoustique
depuis ce jour je suis malade
et perdue pour le monde...

Helas, mon coeur.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Non Plus, Ultra

Se ao vivo,
a vida e seu aparelho
são emissor e receptor
em ultra alta definição.
E isso basta e sobra,
ó! sombra infeliz de um dia.

Não és o que lembras.
Quão outro o que sonha
desde que acordas...

Ou melhor, desde que
levantas, sonâmbulo.

Sujeito ao peso leve
da emoção, fâmulo
bêbedo e louco.

Porque és pouco,
se segues êmulo,
sombra breve
que se apouca...

Soçobra à época
desde que deriva aérea e trôpega
ao som dos berros da cabra cega.

Não és o que lembras.
Quão outro o que sonha.
Se não te acordas certo, erras.

Levanta a mão e corta
A erva daninha da Horta.
Despe a corda e a máscara
que te cerra, acorda e viva!
Torna-te o que tu és:
O Eu Sou, Aquilo.


II

Se ao vivo, vos tendes
na vida e seu aparelho
sois emissor e receptor
em ultra alta definição.
E isso não basta e sobra,
ó! sombra infeliz de um dia?

sábado, 30 de outubro de 2010

Câmara Escura

Meu Coração aquece uma queixa.
Espera para não esquecer a deixa.

Acaso ele desespera de alguém?
Se aguilhoa, a quem aguilhoa?

Por mais que a teu corpo doa,
se te dói é por haver mais além...

Para silenciar o teu mal,
atento,
escuta a batida que vem.

Prenuncia a condição atual
a necessidade do primeiro fruto: o Bem.

II

Cerra a cortina dos Olhos.
Emudece as vozes em redor.
Retira-te para a Câmara Escura,
graciosa...

Quando de lá voltares,
faze de ti uma Lâmpada.

Nunca, entanto, digas
o que lá encontrou,
sob pena de diminuí-la.

Também o Véu é sagrado.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Ginnungagap

Explicar é desdobrar.

Mas, de dentro para fora
ou de fora para dentro?

Dobrar é complicar.
Complicar é enrolar.
Essa imagem foi tecida
a partir do rolo de papiro.

A raíz é *pl - donde plural.
O plural diz
o entrelaçamento do não ser ao ser?

O um que multiplica a si mesmo
a partir do espaço.

A filosofia se explica?
Se explica a filosofia?

Quando se estica o laço
o que faço com o que caço
ou só complica
o que se acha?

Ou só acha quem ignora o nó?

É o Um que multiplica a si mesmo?
O que é o duplo, é um outro
ou o que és?

Duplicar é dobrar.

Eu fecho o papiro quando complico.
E o papiro é o livro fechado dos que dormem.
Mas o papiro se abre e de dentro para fora se explica: estica.

É preciso estar desperto
para o que se diz.

Quem sente esticar o papiro vê os caracteres pularem a sua frente.
E o ente, o ser se explica ou complica-se entre o preto e o papel:
a linguagem é o outro do ser,
a imagem.

A palavra replica o ser.
O ser tem na palavra sua cópia.
Pois o ser é uno, e as palavras, tantas...

Se o ser é o todo,
como se explica o ser?
Para que lado eu o desdobro?

Transbordo.

Então é para dentro que eu me lanço?
Por acaso, algum instante estive fora?

E agora, inço a âncora?
Meu coração é uma ânfora
que como cânfora traz lágrimas aos olhos.

Chaves só há nos molhos
de quem tem os olhos certos.

sábado, 16 de outubro de 2010

Memento Mori

E seguiu-lhe atroz
a sombra rude e feroz
e disse-lhe, rouca:

- Lembra-te de morrer, louca.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Soma

O corpo é o vinho da alma.

F.'.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Sobre Ferimentos

A palavra fere-nos a alma
apenas quando refere o que lá já está.

F.'.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Elated

Death made us equal

O sol se punha
e todos os cães
da cidade
firmavam o acordo
de velar por ela.

Latir é velar.
Velar é zelar.

Senzar

Zoar

Zôe - dzeta / ômega / epsilon-êta

Zion

Zi (leão ou leoa)
An (ser humano)

O cosmo,
esse grande zoo-lógico.

I felt elated:
no lugar que soa.

Da Montanha de Sião
partiram as almas...

Águas de Lindóia, 08 de outubro de 2010

domingo, 26 de setembro de 2010

Apego

O apego não vale o preço
que por ele se paga -
quando se tem...

O véu cai
com o peso
de um membro dormente.

O que não se ligar aqui
estará desligado lá.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Suave

Em uma palavra,
o universo é suave.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Imagem

Que essa imagem se vá.
E não sobre nem a pá,
com que me enterrem
os que já não me conhecem.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Vaidade

Era preciso concordar com Anaxágoras para que aquele café fosse capaz de aplacar-lhe a sede. A água fervia enquanto revisitava o antigo cânion de sua infância, e o suor da terra fez lembrar o seu. A idéia de que seu corpo fosse o mero coador alquímico da natureza não tinha o apelo capaz de testemunhar contra sua vaidade. Afinal a imaginação de que se gabam os escritores é apanágio da inteligência que no homem dá as mãos à estultícia. Não ousava tomar o café que lhe preparavam. Por ciúme a imagens perenes postou como testemunhas perfeitas sangue, suor e lágrima a ama inexaurível. Apenas o que não tem forma é capaz de reter o sentimento dos entes enquanto jorram. Aquele instante da sua adolescência que, enquanto fase da vida, pode não ter valor algum, foi o divisor de águas. Até então a Morte não o tinha tocado senão como a todos, como um temor frívolo. Exultava na tolice que é sorrir de pedras, plantas e insetos e regurgitar numa inteligência particular. O orgulho herético faz espumar a boca na falta de saliva, assim como cuspir no outro já foi arma de retórica. Eis que o ávido veículo do Rajá dos sentidos rugiu. Rígido, sua orelha em concha captou o sibilante e estridente recurso do pássaro a que os homens chamam gavião. A rajada do vento o envolveu enquanto céu e terra embranqueceram engolfados na anestesia da carne. Estremeceu antes do golpe. A queda foi para ele um deslocamento incorpóreo. Não é o chão um travesseiro de ossos? Por instantes sua atenção foi o eco e ouvir sem ver é como descrevem os fantasmas. Aí Ela teve para com ele um gesto. Chamou a habitá-La. Ela que se escondera nele queria retribuir. Ele desejou-a. Ela que vestiu o mundo. O corpo ávido respondeu por si, ainda é cedo amor. Ela tal uma direção vem do Oeste como o vento frio da tarde. A sua presença espreita pela esquerda, esquiva como nossa sombra por inteiro, regular como nossos hábitos. Formidável encontro. Seu vislumbre abrasador foi o bastante para abrir uma clareira na floresta tenebrosa do amor próprio, a mesquinhez enorme que ele leva dentro. Agradeceu o eloqüente movimento da força impessoal que porta a inflexível intenção. Soube que há uma instituição em que a corrupção é impossível. A partir de então aquele cotidiano arbusto espinhoso tornou-se para ele quase agradável.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Trinta Anos

É mister verdejar os níveos campos
e como seta solar sorver as águas,
salgadas faces de que és o doce espelho,
ó minha alma, ó minha ilustre dama.

Feliz sejais a quem não quebre o lustre.
Antes frugal a lhe perder o solo e lastro.
Assim o caminhante inteiro a meio dia, o céu
divisa em pleno sol no zênite e a pino.

Cavalga a abobada interior e faz o hino.
Verifica o brilho seco de que és a cópia,
nas ínclitas veredas hirtas, incertas
frente a suas incandescentes orbes...

intricadamente concêntricas...

Aí verás os luzeiros de duplas órbitas
se alinharem no mesmo nível.

Suas colunas eretas a fio de prumo,
no âmago deste imenso coração,
por muito que são perdem o rumo...

E a pressa cede ao longânime passo
com que se afoga as dores.

A noite é vil como o aço
que trespassa frio a solidão.

Se mantiverdes a memória das flores
seja este o poço da infinita redenção.

A glória silenciosa que é a de Deus
é o mesmo que para os homens a loucura.

Não a confessem, meus irmãos,
sob pena de ser esta a face
com que vereis à Morte.

E esta é a insígne sorte:
a glória é cara
e tão clara quanto não tem cura.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Íris

Tua ânsia em irada Íris,
fere com ás de espada
quem me fere os astros
e coroa a balaustrada.

Quando partires lírios
vossos jazerão em vasos
de lustrosos alabastros
que choram a cabeleira

de fio solar te trará basta,
qual negra cachoeira
triste em planície cega,

fria, surda e seca poeira
que ao trigo trairá a sega,
ao orvalho beberá a hasta.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Uma geração

Antes de ir à guerra, meus senhores,
gerem seus filhos em vossas senhoras.

A Guerra é a Morte pela Vida.
Os Senhores, os Verdadeiros.
Seus Filhos também belos discursos.
E Vossa é a Pátria,
e a Geração que a Ela se consagra;

O Diadema de Glória
é o Espelho de Tua Realeza.

Com a Graça do Altíssimo,
F.'.

domingo, 16 de maio de 2010

Ars II

Em toda parte a fartura está
sempre em destaque.

Nasce como flecha que parte.
Estilingada lança com arte
a grave forma
e cai ao solo
para que se alce, pérola
de íntegra beleza.

O metal frio domina
e no papel lento dobra
a vereda em esquina,
sublime entalhe da obra.

Tomei à águia em pleno ar
a formosa e leve pena.
Fiz de tudo, ondeei o mar,
dobrei o horizonte,
diferi céu e terra,
à sina do homem, amém;
cingi sua fronte,
e o fiz amar como quem erra.

Não servem as palavras
sem que lhes acompanhe
o espírito.

Vincos de ouro são estrelas,
dobras das vestes dela,
pérolas de seus olhos
livres como que vertem
luzes em vasos.

Rasos para que não ocultem
os meus que a chama em risos
ao enlace a cintura cingem.

Tuas pernas são a vertigem
em pilares...

Teu sorriso é o aroma da manhã.

Exangue de ter se entregue ao céu
ela deita-lhe o peito que é nuvem.

Seco o ânimo singelo
que viceja
no sopro quente do sol.

Fria a Terra Úmida
pelo orvalho
que cobre a manhã
com um beijo.

Vapor morno
que sobe ao alto
graças ao forte
e sublime anseio.

Frater F.'.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

domingo, 25 de abril de 2010

Ouribori

A Veronique
e não aos tolos
que crêem
ter tido isso
algum começo

Tua face plácida
é outro eco
doutra vida
em que me perco,
nas sinuosas voltas
destas ouribori
com que te vestes...
minha sombra ecoa...

Soa o pequeno gesto
dirigido às peles
que tua vida povoa.

Por mais que desde ontem
me doa, não são mais
que folhas soltas
de caderno breve,
vento frio que se atreve
e com desdém nos sorri...

F.'.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Das Ilhas Bem Aventuradas

Acho que não há onde não consiga chegar. Mas me revoltei contra essa ideia e vim direto para casa. Tudo é distância. Para alguns o mundo, o espaço entre as coisas é mais amplamente preenchido. Ainda que aparentemente o paradoxo de não haver vácuo faça com que tudo o que há seja infinitamente divisível, nada se toca. Somos os espaços menos densos entre átomos. A superfície, o contato mínimo, ainda que paralelo seja, o eminentemente plano é rugoso. As dobras nos seres esféricos fazem delas os encaixes infinitamente seletivos. Oxalá, assim o fosse! Os raios luminosos tornam-se cordas quando aquecem, enquanto engates atam e com laços cinge ele a cintura violenta do Cabo das Tormentas. O nauta é seta quando parte e gancho quando aporta, âncora que é pequena pausa no fluxo enquanto a nave possuída abebera. Pela falta de uma palavra melhor: singro éter por todos os lados. Eras e teares, muitas telas me atravessam. As Moirai! Quantas vezes para mim teceram vestes?! Quantas estadias em um carrossel de bêbedos! Não estou farto. Estou leve. Alguma coisa prognostica meus breves olhos, oráculo em forma afim às novas abóbadas. Reverberam já os veículos conforme altas estâncias benfazejas. A música é minha ama, com seus bálsamos despeja nestes odres esbeltos o transparente odorífero. Ela entrelaça, desdobra e transporta-me esguio e terrível como quem morre para os profanos.

F.'.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Anno Lucis

O Divino é o lado ativo da Força-Luz,
outra é a coroa da Natureza.


Campina Grande, 07 de abril de 6009 Anno Lucis.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Tradição


Fizemos uma caminhada
em meia-lua coroando
o ponto mais oriental das Américas.

O Leste é sempre o melhor.

É do Oriente que vem a luz.

Do Cabo Branco às falésias,
por trás da Estação Ciência,
pela praia...

... o mar estava secando,
e avançou sobre a terra,
e tirou-nos da praia para o alto...

O mar secou novamente
e ainda não tínhamos
tomado a primeira garrafa de vinho;

Fizemos um café da manhã
estendidos sobre a esteira branca.
Uma outra sobre o leito do mar,
flutuante, era tapete apoteótico
do astro a quem ama a lua...

O mais digno caminhante das águas
é o elegante nauta que cavalga o céu.

Por ele Terra e Lua se degladiam,
cinzentas de ciúme
e prateadas de soberba;

A Lua não quis se misturar
com a Terra e morreu seca,
desde então inveja mares,
rios e lagos... seus espelhos.

Vestidas de manto quente,
juba de leão de eflúvios,
mechas que se douram,
opacas sugam as setas...

Brilhantes talismãs pendem
de invencíveis vestes...

Há noites em que a Lua
propalada ameaça a coerência
da terra com suas sombras.

Só restou seu duplo...

Insinuam as águas o dorso
delirante da terra em reentrâncias,
os montes sobem e se esbatem
em direção ao espaço,
onda de oitenta graus...

A Terra sonha.

... assim que o sol nasceu,
entre nuvens e o mar,
estreita faixa,
reaparecendo pouco mais
de meia hora depois,
após vencê-las verticalmente...

Voltamos quando estava o luzeiro
a um quarto de atingir o zênite...

João Pessoa é naturalmente poesia.
Somos o seu hino, monumento,
e palco da celeste capital.

Sábado-Domingo, março,
F.'.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Sobre o ateísmo

Sempre se me afigurou inócua uma crítica ao ateísmo. Primeiro que sendo a negação aquilo a partir do que se definem, criticá-los é corroborar os contornos daquilo que propriamente não tem forma. Segundo que, psicologicamente, isto os faz recrudescer, único momento em que se sentem vivos, em todos os seus recalques. A atitude de um ateu, não é própria, mas reativa. Soube dos processos que a sociedade organizada destes move contra as cruzes que encontram nos prédios públicos, no Acre.

O ateísmo reflete a falta de morada, de autonomia. Antes de significar o divino, théos quer dizer: (1) mover, (2) ver, sendo o theoi, aquele que vê; a visão mesma, sabemos que surge do movimento adequado que se dá por afinidade do vidente ao visível; (3) acabará denotando o modo de ver divino, uma vez que é, dentre todos, o termo mais abrangente na ordem dos fenômenos associados a visão, (4) enquanto metáfora para as coisas vistas pela mente, traz o sentido de causa, também (5) da epópteia.

Se estas coisas fossem vistas do ponto de vista físico mais que do moral, teríamos no ateu o protótipo da explicação da causa do movimento como geração espontânea, onde a vida, antes que surgir de nada, brota do cadáver exposto ao sol.

Não se confunda pois, isto com o que é auto-gerado na hierarquia dos Ârupa.

Como imagem deste cego que é, proclamadamente, o ateu, teríamos a toupeira, pois, desde que não é cega de nascença, torna-se em virtude de sua primeira exposição ao primeiro fio de sol, contraste com os subterrâneos onde vive e para onde volta, para construir na caverna sinônimo de sua alma, catedrais negras de escombros, com os seus iguais em um tipo de sociedade organizada.

F.'.

That Thou Art

O Não-Ser, a divindade,
não se confundiria jamais
com o que se nega...

Chhandogya Upanishad, VI

Os que dizem "deus não existe" demonstram a pobreza do conceito de existência de que se servem os modernos. Se deus não é, por outro lado, isto ou aquilo que se afirma do seu conceito o problema se desloca para o poder ou propriedades, o que é o mesmo, disto que é intuído e permite a negação. Deus não é isto ou aquilo, quer dizer que tal conceito é já uma negação, uma vez que todos os atributos estão limitados à forma humana. Para o ocidente, hemisfério atual do problema, a unidade do conceito é a única coisa que é intuída. Negar o conceito partindo do próprio conceito, que fiasco! O que está em questão não é o que é, mas a definição historicamente derivada de culturas e homens, atribuições que estavam no horizonte de sua linguagem e vida corriqueiras. Se o homem nega o atributo "bem" é que não o encontra fora, empiricamente, algo que talvez só exista enquanto conceito, isto é, como indício do que não encontra. Que intui por negação daquilo que vê. Quem nega deus o que é que nega, afinal? No aspecto formal, negar o conceito da negação é afirmar qualquer coisa. Qualquer coisa de que não se tem a noção, desde que se não explicitou a definição ou conteúdo do conceito de antemão, as qualidades, poderes ou propriedades, o que dá no mesmo. Até mesmo porque cabe a quem nega o onus probandi. Não queiramos elevar a discussão antes de examinar o aspecto psicológico, cognitivo e antropológico da questão. A negação pueril de um adolescente, geralmente revela uma impotência como fenômeno imediato. Não se desenvolveu as forças ou autonomia necessárias a autárquia, e a revolta surge como confissão de impotência. Toma-se a falta de experiência, ter tido um pai fraco ou injusto, a falta de referência de um homem forte ou os homens que são facilmente enganáveis, como os homens serão o ponto de partida material para a projeção do conceito de divindade, se provaria com isso que "deus" nem tudo pode e não é onisciente. A máxima: nós não conhecemos da coisa mais que aquilo que nela pomos, revela sua eficácia quanto a concepção sempre antropomórfica, a única imagem a que o populacho tem acesso, da divindade, muito facilmente negada em sua realidade puramente humana, espelho de cognoscibilidade. Não é a toa que o conceito de existência, tão romano, tão cristão, toma como base o indívíduo jurídico, e busca reforço, de modo não examinado no argumento do homo mensura. Essa bricolage torna-se ainda mais funesta quando, difurca-se a phýsis mediante a lente imunda da dicotomia imanência e transcendência, fazendo "deus" equivaler ao conceito daquilo que é transcendente, e carente de substância!? Conceito, forma, matéria e substância não querem, definitivamente, referir-se à mesma coisa, nem dizer o mesmo ou evidenciar as mesmas relações. Se são provisórios os conceitos, ou antes, as definições, o que importa é o argumento. Faltava apenas ao horizonte metafísico do homem moderno a cisão sujeito e objeto, apoiada no bi-substancialismo para que a questão inicial se perdesse na ininteligibilidade. Uma coisa é dizer que o cripto-crítico professor de Heidelberg é um estúpido, qualidade que nos é bastante próxima (de que participam a quase totalidade dos homens e mulheres) e que diz algo verdadeiro sobre um referente óbvio, outra coisa é o negar, o que seria um verdadeiro artigo da fé filosófica. Se por hipótese há algo como o pensamento, este se comporta como aquilo que é completamente afim à linguagem. Ora, o que é comum a pensamento e linguagem é o afirmar e o negar, ambos constituem o poder efetivo e único do ser entendido como dýnamis. O que vale para os enunciados, união de uma voz ativa-passiva a uma ação mediada pelo verbo, em todas as modalidades de relação possíveis, bem como também aos átomos, ex: cavalo, afirmação de algo como algo, e não-cavalo, negação indeterminável de tudo o que não é alvo da negação. Afirmar e negar são coisas que não se ensinam. Por analogia, desejo e gesto constituem a réplica quanto ao não-verbalizável. O que, enquanto se move, não é obra de um verbo? O metabolismo é ânsia pelo que não se tem. A fala é a falta. Se alguém já pensou ou sentiu, o que dá no mesmo, o que é negar, atire a primeira pedra se não intuiu algo por trás ou anteriormente ao que é negado. Não é isto o que te move? Que se saiba ridículo, e obviamente risível enquanto aumenta a Vontade do outro, aquele que impreca e golpeia o ar em círculo com peito exclamando vitória. Quem nega tornou-se ciente apenas do recalque que, enquanto o nega, aprofunda-o. Eis o que torna a explosão do ressentido, apesar de intempestiva para ele, mero eco de comiseração. Quem nega, reage e reafirma o negado que imerge como recalque.

Só há dois tipos de seres: as almas venturosas e as malogradas. Que mediante o recurso às lógicas não clássicas isso seja relativizado, segundo relações mui específicas, porém, só há afirmação e negação. Quanto ao que fazem de si mesmos, ora os contamos como Produtor, o prolífico, ora como Destruidores, os devoradores. Fazei o cômputo das almas e seus tipos para que se obtenha a Hora, o dia, o mês e o ano da Força.

A ilusão consiste em tomar o filtro pela coisa em questão - em que concordam Platão e Nietszche, malhas que o império tece. Somente o anzol da mentira será capaz de capturar o reizinho da consciência.

F.'.

domingo, 21 de março de 2010

Avenida II

A minha útil vida rima
escada com avenida,
vaso onde tua fútil alma
é sempre bem-vinda.

Úmida terra a mo cama,
gelo seco e fogo líquido,
ser pleno de jogo, híbrido,
anima-chama que me ama:

prende ossos contra o peito,
não há banho que dê jeito,
esse aperto n´altura do seio,

anseia pleno a meu ânimo,
a febre louca do teu arqueio
vibra dor em seu antônimo.

F.'.

Avenida

Livre da incoerência astral
sigo o tumulto das cores,
não reclamar é meu mal,
ser poeta e pintor de vitrais,
fazedor e vigia de catedrais.

Avesso a efêmeros rumores
gótico branco negro sideral;

- epótico vi o luto público
no amplo e pobre palco
ridículo dos maus atores;

mimar naufrágios e apoteoses,
e não ter daquelas dores
ou que denegar amores
ter de mim sadias overdoses,

quando falo do lampejo a dança
e doutro firmamento a pista
sei àquela rude nota do solfejo,
à forma vibro golpe de harpista,
sem ruínas ou degredo na vista.

Do alto justo da bela vingança
cinjo irascível o busto do desejo.

Faço da criação meu domicílio
isso desde que era aprendiz,
como modo eterno de ser feliz,
a rima não dorme sob o cílio:
a Vontade é manha do Destino.

Conduzo as rédeas por um triz -
corpo doura ereto em sol a pino,
alma queimo a fogo alvo,
a freira loura, meu puro desatino,
do agouro te mantém a salvo,
a Paris de hoje não é seu país.

F.'.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Girassóis

Se há vagalumes helicoidais
que giram como caracóis
à minha frente,
fruto do cansaço e da mente,
quem garante
que de mim não surjam sóis
se cada dia os vejo a mais?

Estância de Heliantos,
F.'.

domingo, 14 de março de 2010

Les vrais paradis...

... sont les paradis qu'on a perdus...

sábado, 13 de março de 2010

Orbis Pictus

Glorioso delírio, celeste loucura.

Coroarei a tua basta cabeleira da verdadeira cor de ouros lustrosos; dedos meus perpassarão em diadema a saber todos teus fios, enclavinhados ao sabor luzente e altissonante de variegados sóis; esplendor da Coroa Solar que te preparo em vida é apoteose de um teto que não enfada, auréola do Sonhador que fere o ar, na irrealidade do voo em rumores de invisíveis asas; chamaram-nos a sala dos olorosos óleos destinados aos corpos prestes à vertical ascensão; quais virgens opalescentes azeites visariam lubrificar a superfície dos diamantinos olhos, perspectivados amantes da clareza, puros, lúcidos, clareiras incendiadas a fitar horizontais linhas enlanguescendo em curvas, delirantes e sinuosas órbitas que eram ambas almas espelhos consequentes da perfeição esférica das formas; justa e bela proporção por equidistantes sejam das extremidades em função do centro, movimento circular e translação; permaneceremos cada um o mais semelhante a si mesmo, harmonia de nós em todos os sentidos e direções, enquanto o aparentemente outro é espelho, autônomo; cedo ao que é melhor; sejais assim meu digníssimo coração, condutora da comum auriga cósmica em que atravessamos metálicos os magnéticos ventos do boreal hemisfério celeste que nos perde; já sois como os corpos estrelados quais incontáveis vasos de mel que se derramam; seja seu em enumeráveis setas incandescentes ao encontro de teus vertiginosos vestidos, imensidão misteriosa do fluido que é o espaço, lábios onde pendemos a estalar em profusão de estrelas; pois és o que sou, imponderável luz, princípio e fonte, fluxo e nutriz; o universo é ora palco, ora manto, em que nos mimamos a mimetizar tantos estados de alma infinita quanto a variação dos móveis que, em nós movendo, permita sempre novas combinações de sentidos; um dia que ocorreu, porém deste veículo estar distante, num futuro acumulado, quiseste ouvir em imagem a lira; testavas-me a Memória; canto-te a glória e com voz potente, libo vinho do chão do abismo ao teto sem fim de onde bebo a força desta canção; nunca foi tão sublime o pranto vertido pela corda que fere pela eficaz feliz expressão que por primeiro te trouxe a experimentar o acúmulo de que o acento terno faz a ênfase com a violência mesma dos dedos que acompanham o tamborilar dos tempos, a quase perfazer o último Ritmo deste ciclo por antecipar a conflagração que ainda tarda; mas, no auge da elevação transforma a tua alma, nobre, esquecida, em hoje opaca caverna por prisioneira de rudes imagens, pesadas sombras que por esta Hora te entretém com efêmeras promessas; se estás triste, meu bem é que não transpuseste o umbral desta fútil paisagem em que não te encontras; atira ao fogo essas carroças e as palavras lentas que te não transportam àquele reflexo inexcedível, pois é à distância dos véus lunares que a música toca, aquela que canta o que te torna afim ao Belo; dás cabo logo dessa pausa desnecessária entre a sístole e a diástole para o fluxo fazer jus ao Eterno.

F.'.

terça-feira, 9 de março de 2010

Erscheinung

- sich Sein, Schein
Aparece o som que é brilho
e que te parece uma sombra.
O teu desdém é uma cobra
que te leva fora do trilho.

Trila a flauta dos pastores:
o amor é som macio da falta.
Se te engana olhos sem vigor,
rudes teias tramam maus atores.

Encarceram-te as nobres cores,
frutos dos afetos em flor...
Saiba à faca sagaz com rigor,

interceptar todos os nós.
Restaremos nós dois a sós,
rios a rir, alegres vetores.

F.'.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Sit Tibi Scire Satis...







Noite, vou buscar o frio em tuas maneiras.
Ó pássaro sensível e casual que fere o ar
abana-me serviçal, teu corpo é meu leque.

Dorso de rios, filhos luminosos
meu corpo cósmico pontilhais...

Caem da ribanceira do céu
coroados fios
que estico, meço...
Corro a imensa distância
em um lance...
Chego em estilhaço:
cristalino, líquido...
& no centro da amada estrela me refaço.

A luz! Os deuses são minhas crias.
Enquanto minha imaginação retém,
são minhas reféns todas as emanações;
tensões que a minha condição,
em estendido arco o diapasão mantém.

Indiferença para com o Mundo,
Tudo menos o Óbvio;

Minha revolução solar
segue no meu corpo matizado,
na ilha da Ajuda,
cercado de lado a lado,
a água assoma e volteia.

Escrevo como quem esconde os rastros
dos passos das sandálias
quase aladas assemelham
aos horizontes plácidos
estendidos das areias
aos rios que encontram mares,
encimados por vasto dorso,
paleta de céu azul e seus matizes,
nuvens cinza tenazes,
cosmo de pedras brilhantes os ares espelhados,
fios de prata pendem nos abismos
do sideral hangar escuro,
as naus que partem dos olhos
desejam a terra primeira reaver,
enquanto os laços que unem os corpos
fazem a festa dos sons quais luzes
pelos espaços dimanando contrastes
do mel que é o véu surdo
onde a música se faz em silêncio
tremeluzindo das tremelgas e das refregas,
se enclavinhando em sol,
escorrendo pelos mis, sis,
nunca para os vis vasos ocos, ocaso...

Irado, arrepio caminho açoitando as feras.

No tônus do gastrocnêmico músculo
bate o pendão da vitalidade
irradiado pelo coração que me ama.

Paraíso oceânico oscilante em suas vestes.
Dolorosa, quanto mais inflexível, mais amorosa.

Acredito nas Moirai, nas Parcas:
Fiandeira, Distributriz e Inflexível,
forças cósmicas que preconizam o Destino
inexorável e inexcedível,
da vida sentida contida em seus limites,
elas que distribuem as mortes,
as sortes e as partes que cabem a cada um
– alguém possa girar a mão do destino?
Tornar-se o próprio?
Sistema de interpretação global das ações
– manobras de seu centímetro cúbico de chance.

Ordo ab Chaos

Seria o ser humano um ponto de ordem em meio ao caos?
Para responder essa pergunta é preciso refletir,
como hoje percebi,
sobre as relações do Destino com o acaso e a Vontade.
Misturo as coisas que suspeito com a parte delas
numa lição sobre a ancestral Arte da Espreita.
O que vem a ser?
Uma técnica de interpretação do real
e das ações que comporta.
O conhecimento da intenção
ou intuito dos entes:
animados e/ou inanimados.
Intuição da natureza íntima, a volição.
Onde a chave é Vontade e ação impecável.

Mente sonante corpo partes
unem-se por fio de mesma nota.
Rente do metacarpo ao core
faça com que flores manem.
Perfil em paleta multicolor
em resma esférica brota.

Carente e silente o arpão da dor
pela inércia no fito frisa de gelo
o peito outrora contínuo.
Tua rota é sol nascente
aonde vais tu calor buscar
para que te prenhe o dorso,
ao invés de na tolice chafurdar.
Empenha tu o último anel nefando
de tuas não revisadas cadeias,
opressivas opiniões:
tuas nuvens em dias de luz
como sempre são os dias do sem tempo,
aquele para quem a lua é uma célula
que ao girar atomística ulula,
dimana encantos,
nas plenas paragens
que a intuição ao dissolver tempo & espaço,
cisões e hipérboles devolve
porque as abole através de decisões irrevogáveis,
quando traz o senso de ser um
& não receia que a ceia de si
seja o metabolismo de suas próprias idéias,
e que não haja espelho melhor
que o que não se pode ver debaixo a pele,
o véu que cobre os sentidos exteriores
de não ser o que se vê,
entanto que o que configurou
seja nada menos que sua atitude criativa.

Como o sol eu firo o solo com passos leves.

Palmas para o que me projeta no futuro.
Exercitar o seu centímetro cúbico de chance
é tornar-se regente do próprio destino
– como o que sabe de cor executar
os passos conforme a música –
ousa poucas vezes levantar a baqueta
e operacionalizar novos registros.

Amarrações – as conjunções.
I can face your treats
I fancy your threats

Conjugo seus desejos
de acordo com a entonação de teus pedidos,
faço os laços não como quem forja amarras,
porém como quem entre dois corpos
a água une e a eletricidade permite circular.

Necessidade é a força que os deuses temem.
Mais antiga e veneranda
rendem-lhe o respeito com horror.
Eles próprios são seus filhos.

Os atomistas acusavam Acaso (tychén)
e Necessidade (Ananké)
como as molas mestras do cosmos.
O Destino é a síntese das querenças necessárias.
Entre Destino e Acaso,
a Necessidade impele os entes conforme Vontade
– ainda que o termo seja posterior –
a boulesis – a querença, o metabolismo que tudo move,
o espaço vazio...

A matéria...
Essa tendência sem lustre no interior do que é,
isto mesmo, nada mais que tendência...
Deixe os tolos achar que há substância!

As quatro raízes elementais puras,
que se não vêem separadas,
não seriam a matriz nutritiva do fluxo
se não houvesse o que animasse o vórtice
que ao indiferenciado sem limites separa
para tornar possível o número,
a quantidade discreta
e a qualidade das coisas que nascem juntas
da diferenciação interna do todo,
segundo a ordem do tempo que é regido pelo princípio
[o arcaico poder originário – arkhé],
e isto chamamos Justiça (Diké)
que é deusa do Direito Solar,
antiga, irmã de Necessidade (Ananké)
e da Memória (Mnemosina).
A Vitória (Niké) é para a Virtude (Areté)
o que o momento oportuno (Kairós) é para a Fortuna,
e o dia do Nascimento (Nascitur) Solar,
ao coincidirem os planetas de forças inclinantes
(Astra inclinante non determinat),
configuram os ângulos, os vértices, os eixos,
o zênite e o nadir, poente (ponitur)
e o seu início contrário, cíclico, sucessivo,
onde fatos afins não se podem dizer no indicativo,
tudo torna-se eventual,
e o sucesso depende da impecável marca maior do vetor que,
ao alçar vôos sobre os pés graças as asas que vai buscar,
após descer aos infernos (inferus),
leva consigo os seus desta terra devoluta,
dado o abraço que é o enlace,
embebeda como o vinho seco e quente,
que nas veias alteia o melhor ânimo,
qual chama violácea, tremeluzente e firme
movimento espiralado que perfaz cada ponto,
alef em que convergem os demais pontos
e onde o espaço se anula em absurdas absissas
e abissais intersecções que propiciam propulsões
em arcos estilingues catapultando,
sem sair do lugar –
o movimento se diz de muitos modos.

O mal surge da inércia dos sentidos.

O mal é apenas um braço do rio da força.

Precisa ser batido ciclicamente,
senão o mal que é o contentamento
e a satisfação ilusória
desde que a verdadeira não existe),
enraíza.

Não basta mover-se sempre,
para todos os lados,
debater ou gritar, contudo,
acertar sempre mesmo
que impossível seja é a maior divisa.




















Falo de Yggdrasil.
Falo do Ragnarok.
Do Crepúsculo e de todas as terras,
da Raíz Sagrada de onde mana a existência,
sustentáculo e nutriz universal,
coluna esquerda basilar da ordem
e das repetições harmônicas
da diferença na semelhança.

Como um pêndulo de vagas desiguais
o Bem deve submeter o mal,
e o ódio dar lugar ao Amor,
liga insecabile linea.

Assim como dos entes gerados
a corrupção é o mal físico inexorável
que corroi a liga que antes unia,
fator coesivo, ou alma,
no plano moral é a inércia
e o desvio que minam as instituições
que devem ser sacrificadas ao fogo
para que não tomem conta da Raíz Sagrada
de onde mana a vida em abundância,
único ponto onde a Ciência
deveria deter-se e saber a si,
antes de atentar contra o âmbito maior,
a ambiência vital, o Valor insofismável:
a Vida ululante, nossos ânimos e seus humores.

Falarei da personificação da força cósmica Necessidade,
segundo os véus da mitologia grega e nórdica.
Assim as Nove Musas me disseram.
Que das Parcas,
Fiandeira põe o fio no fuso da roca,
roda da Fortuna que gira e estica a corda.
Distributriz mede e pesa todos os atos com justeza
e os distribui nas durações que a extensão do fio
permite e na tensão em que outras sazões aguente.
Inflexível, é sempre representada,
a par de seu instrumento cortante -
as melhores imagens são as de Bergman e Gaiman -
a foice e o olhar de infinito são suas marcas,
seus andrajos pretos são de quem já não se importa
com a alegria das cores.

O mote é o seguinte:
Onde houver Sorte haverá que se diga Partes e Mortes
que dá no mesmo e confere sentido à existência,
faz de Sorte, Parte e Morte uma palavra só,
isso os gregos bem entendiam,
e o que tudo isto quer dizer, para isto,
tinham uma só palavra,
e a força das Moiras era uma só sua imagem.
As partes dão-nas as Moiras,
que compõe corpos tais os lances fazem enlaces
quando os compostos se lançam no mar límpido das horas,
oceano quente & plácido.

Sei que incorro no temerário erro de julgar
o que as aparências mostram
(redundância cíclica, pois phainô,
donde phainómenon indica as coisas
que são já dadas onde aparecem).

Como erudito deito o pau na imaginação.
No papel me reconcilio que ela.

Felizes os intrépidos,
os em quem o espírito
fez morada de futuro.

E eis o seu martírio.

É que ainda que comunguem do lógos,
não ouvem nem escutam a voz interior,
aquela que reúne todas as coisas, homologa.









Falarei agora dos Shensu-Hor,
isto é, dos Seguidores de Hórus.
Quando Osíris, Senhor de Todo o Desígnio,
tem de dobrar-se à Necessidade
da Máscara de sua Divina Pessoa,
o palco cósmico universal se faz
para a encenação do drama cósmico particular,
o sacrifício, e seu corpo,
de uma unidade feito facelas por Seth
que é como Locke,
o terceiro debaixo para cima,
ou o primeiro da segunda tríade,
onde da tensão das partes perdidas
ou do território dos Dois Reinos Egípcios,
do Alto e do Baixo,
é o prenúncio caótico
que prefigura a restauração da Ordem.

Hórus, instruído por sua mão Ísis,
Matriz Universal da Vida,
água do Nilo, filha primogênita de Nuit,
mãe de Noite, Estrelas e Deuses,
derrota Tifão, e Seth,
e recupera as partes perdidas do pai,
sendo elas embalsamadas por sua esposa e irmã;

Μοῦσα, τίς πρῶτος λόγων ἆρχεν δικαίων;
Musa, permite-me ser alguém que por primeiro
ao poderoso discurso fez jus!

Do princípio que é a Arte da Regência eu agora falarei.
Há hierarquias.
A primeira delas é uma divisão simples
entre animados e inanimados.

Para nós, a mais evidente das distinções,
porém, é a que separa os corpóreos dos incorpóreos,
o que nunca se poderia, de fato, desligar,
desde que não há corpo que não seja animado,
e não há movimento
que não perpasse os recônditos espaços
entre as estruturas mais ou menos estáveis,
os átomos que nos configuram perceptualmente.
Mediante isso, os animados
que possuem o magnetismo animal tornam-se,
obviamente os valores primeiros inalienáveis,
que não se trocam por serem valiosa moeda,
muitas vezes e apenas para si,
são os capazes de exercer empuxo sobre os demais espíritos,
de muitos modos.

Os deuses são nossos filhos.

Entanto, eles agem como nossos pais,
porque quando nos cremos sabedores
somos os entes mais estúpidos que pode haver.

Quero promover a eunomia (o amor da ordem).
Querendo ensinar a profissão ao perito.
Ó Menestrel, ó Bardo das Ravinas...
Tenha calma, Senhor Íntimo,
pois de uma alma a outra
o conteúdo não cessa em tornar-se um dia.

Talia si iungere possis

F.'.

Deserto e Infância

Durante milênios cantei a uma fria estrela
a esperança que ela um dia me devolvesse o canto.
Como tigre ansioso, qual não foi o meu espanto
sabê-la sôfrega sob o manto de uma criança!

Cruz a meu peito que furiosa crepita em chama,
sai em luz a perscrutar as pedras deste fiasco!
Por amor ao vasto espaço minha alma se derrama
como perfume que não se prende ao frasco...

Verti o ponto em linha, noite tornei dia, tudo fiz...
Subi a esteira de todos os olhares sobre o palco
para mendigar gestos nobres de um corpo opaco.

Entre o silêncio tosco de uma pálida atriz,
cega que com muda voz surda tateia,
vi cheia a lua envolta em glória alheia...

F.'.

Hypérion II

Sob a égide sangrenta dos conflitos cósmicos
perante o palco onde a vontade se afirma,
construí pontes para ti, minha irmã,
estrela alva em teus rítmicos abalos sísmicos.

Defraudarei bandeiras e canto a glória de Apolo.
O que seria de ti, olímpico, sem o titã
que é o espelho negro de tua vitória,
irascível solo que há por trás da tênue manhã?

Passos céleres de Aurora cavalgam a montanha...
Rosados dedos te deram o ilustre aedo.
Canção honrosa para os que acordam cedo.

O carro lento avança em altivez tamanha
que os mortais ainda hoje te cantam a façanha
e seguem em coro a quem lhes abranda o medo.

F.'.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Hypérion

À Diótima, sangue cintilante,
extenso caudal de rio...

[...]

Hoje tens o sorriso febril
que amedronta estrelas.

[...]

És o pêndulo em que se perde a Hora.

F.'.


segunda-feira, 1 de março de 2010

Orfeu e Euridíce

Meu amigo leva mais tesouros na alma
que insígnias no peito.
Se não te sabem, tenhas calma;
Não te partas, não há jeito!

Imagens faltam do que é perfeito.
Perdoa-me o que de ti meu ser projeta.
Canto-te, músico, pois hoje não és poeta!
Precisas de mim, apesar de meu defeito.

Tens a densidade de um lírio,
e a energia de um deus,
sabem-te afeiçoado ao delírio
cada um dos amigos teus.

Como imortais as cores belas
que hoje mortas vivem em tuas notas,
barrocas oposições em telas,
sabem à tua irmã que mede as cotas.

Certa noite te perguntei porque arde teu coração.
Por Euridíce, mo disseste,
só ela há naquele nobre salão...
... na carne dela tardam os olhos para dourado Leste.

Perguntamo-nos o que lhes toldam,
e descobrimo-lo com assombro,
são as sombras que saem do escombro,
e fiam malhas com as opiniões que moldam.

Querem cegá-la com peneiras,
e teceram-lhe um cruel destino!
Projetam-te o Hades, vítima do desatino,
para que façais felizes às toupeiras.

- Por que te curvas, ó minha pérola,
com que infames laços e vis encantos
te atam a terra esses verdugos anões?

F.'.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Ditirambos (incompleto)

Desejo esvair-me pelo discurso.
Abrigo dois leões ao meu peito.
Se as mãos enlaçam com jeito
faz-se presente a doce epifania.

Noite de minha agonia
deserto de alma onde em vão procuro,
onde está aquela sintonia
que me vem libertar do claustro escuro?

Agora lembro-me bem.
Se tudo já eu não trouxesse fora de mim
estaria tudo em alguém,
um simples botão de rosa e a vida é carmim...

Essa ânsia não é correta, sinto-me aquém,
assim, a noite passa,
alastram-se minhas cercanias, mas não me sinto além,
o corpo é uma farsa;

Tão bem temperado é cravo que me ata,
e os cinco sentidos que me limitam,
queriam pagar o homem com o que o mata,
não é à bela coisa o que imitam,

tecelãs de si, as pobres almas?
Ama os fios quem não os doura,
criança loura,
tens os finos pontos em laços, tua manta,
lavai teu rosto, refaz-te pia e levanta!

Que é que sabe a tua mão macia
da potência ativa de te produzir a túnica?
Por que cada face é, enfim, única
se a silhueta robusta da maçã dura só um dia?

A música, vida dos homens, estende a melodia.
O fio de prata na horizontal parte,
segue o curso do rio e pressagia,
que a luz dos olhos não soará feliz sem arte.

A chuva cai, como o destino pesa a forte harmonia!
Na queda o fado, acompanha o ai,
No solo busca as molas para a branca nuvem enlaçar,
os seus cachos encaixam, e por instantes perde o ar...

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Alada Cidadela ao Sol

Pelo amor à palavra,
Sublime ponte,
Para cada estado d'alma,
Fiel guia,
Saibamos habitar,
De modo novo,
A cada dia,
A mui digna morada.

O olhar breve,
O gesto exangue...
O passo leve...
Langue, todo poente
Prenuncia a alvorada.

Força & Vigor

F.'.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Vida sonora da palavra

O segredo da vitalidade
reside nos ritmos,
o mais pequeno é
trecho de uma verdade
desde que música sentida,
suficiente na voz do sileno.

Admiro o modo sincero
com que os orientais
antigos estão convencidos,
nisso sem afetação:
somos nós deuses -
e o pensamento
é o criador do real.
Força ativa de afirmação.
Para o obsoleto, destruição.

Gosto de,
experimentar na citadina
alteridade o espólio
e o estranho modo como
o novo encontra lugar
entre os sempre antigos,
na fusão formidável dos estilos.

O que não nos enfatua
faz de cada vista
algo ímpar.

Delírio!

Ó criança taciturna
das expansões de outrora
quisera tê-la invadido
com egípcia unção...

Corto-lhe as veias e arremesso-lhas
fora... as hemácias em ebulição...

O que seria de nós
se arruinássemos a função?

Ligas que não atam nós,
façam laços, nos deixa sós.
Ascética sinergia do repente a hora,
desviar a alavanca do fulcro e gozar fora:

da meta que é o eterno,
sejas sempre afirmação.


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Literatura

a beleza não se compra
só pode ligar-se virtude
afim assim como a pele
e a lânguida olfação de
suas perplexidades faz
da carne o manjar barulhento
das murmurações suculentas,
o dulçor e o trago,
limalha cicatrizante
dos rusgos rasgos
pelas resistentes vielas
da arquitetônica interna
dos afetos vicejos, id est,
do cajú que é a coisa mesma
e da 'literatura',
que é sua sombra
e seu outro.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Realismo Fantástico

3:33

Assistia um filme e marcava a hora o display.
Pouco depois cheguei em casa.
Encontrei minha irmã,
preciso sair mais com ela.
Muito bom...

Estamos com isso de marcar horário.
Fiz instintivamente.

Às 3:33 aconteceu uma revolução na consciência.
Percebi meu lugar no cosmos.

Salve simpatia.
A melhor companhia neste show.

Muito antes apenas pude acenar.

Não é questão do falso.
A percepção é infalível.

Não há falsidade para o palato.

You´re somewhere underground.

A cada minuto recomeça a noite.

És jovem. Então erra.

Quando aprendes a não mais errar
me encontras.

Sou o amante perfeito, modéstia a parte.

Não pude mais que acenar...
Isso demonstra-me confiável.

Rosacruzes não são sequer assaltados.
(a frase quase não é minha)

É sério!
Por que não sou levado a sério?
São minhas metáforas?

Sou feliz!
sou lúcido e estou, geralmente,
onde quero estar com quem importa.

Estou me sentido muito bem.

Além do que...

Só quero te ensinar a navegar
no mundo, a conhecer a índole das coisas,
também pessoas.

Deixo passado presente.
Falarei do dia de ontem.
Sem palavras.

II

Como as coisas são claras enquanto vigentes fazem
o brilho contínuo e as trêmulas vozes embargadas jazem
no cordel de laço das palavras sentidas, a maior declaração
de amor de que é capaz o coração traz a amada, aparição!

Trezentos metros multiplicados por quarenta minutos.
Quilômetros que antes a distância afrontava o fluxo
eliminados pela maciez do recurso,
o poeta é muitos caminhos.

Ada, o nome dela.
Foi de todas a melhor apresentação possível.
Ela se fez presente a situação,
com a ironia marcante do visível.

O poeta se movia e a todos inebriava.
Nas cordas em todos o nó não afrouxava
o pé da última palavra desde que no clangor
da última nota, falha.

De toda a verdade é capaz o Amor:
ainda não inventaram coisa que o valha.

É isto?
Não, apenas o verão do meu capricho.




quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Dramatis Personae

Francisco disse (14:35):
[...] Tu és mui nova. A própria natureza a tristeza tão jovem não convém. Para teu bem, te esculpe, te cultiva, o teu interior é de luz, tudo está em ti, és o que importa, o único valor é a vida, não fiques procurando em outros, fora, o que não se pode dar, és o melhor, a vida em pujança, o tempo é uma quimera, a vida é o agora, a presença mesma da força, o poder de realizar-te a cada instante
entenda...
Francisco disse (14:36):
essas são as minhas palavras, porta-voz da natureza, que não te quer ver triste.
Francisco disse (14:38):
Faz! Tu podes fazer o que quiser. Eu não estaria dentre aqueles que possivelmente aprenderiam grego. Simplesmente estou. Foi só querer. Somos assim, a luz e o poder. Tudo o mais é estéril. Só dentro de nós as coisas vivas fecundam. Não se queira ter nada do que é outro, exterior. Nada se pode ter. A questão é luzir: no teatro, na música, nos passos, na dança, no falar e no dizer, no sonhar o por fazer....
Francisco disse (14:40):
No realizar o que é um só instante e que dura no empenho flamante de ranger os átomos enquanto acende a chama central, o ponto que é todos os pontos, os outros e você, na comunhão de uma mesma coisa... que não se desperdice. Pensar é errar. A memória só serve para as funções pragmáticas e para as boas lembranças, o tê-las, nem sequer o ficar por revê-las. A lembrança é destrutiva.
Francisco disse (14:42):
O que importa: o que as vivências fizeram com o nosso fluxo, que qualidade tem e em que direção despontam, como setas horizonte afora, abismos e exaltações, morte para a vida, é vida melhor outrora, sempre, adiante! O pêndulo é inflexível. Luza para que se te apartem as sombras. Nada temas, não há o que temer. O sútil e o denso são teus domínios. Leitos de rio para teu córrego.
Francisco disse (14:45):
Não queiras a sabedoria. É coisa divina. Apenas ama-a. Que mais vale a tua solidão? És tu mesma os outros, não precisas deles o tempo todo. Quando juntos harmonizai o aspecto no espectro-escalas-lunares propalando... As noites e os dias aproveita-os com o que é, o eterno é o melhor, e o que mais se aproxima disto é o que faço, quando quero, sem menos, depurado, o próprio Valor.
Teatro cósmico das sinceras aparições, drama barroco, falar várias línguas... em silêncio. A Imaginação é minha mãe. A rima minha companheira, desde que submeti as Musas pela Vontade. Nem bem elas lembram, sou mais antigo que elas. O que me apraz o mundo quando me reflete? Somente quando reflete as minhas escolhas. Desde respirar, andar e tudo o mais são minhas decisões. Algumas são irrevogáveis, a maior parte delas, não.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Levita














Silhueta sílfide traz todos os fios em revolta cabeleira.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Periquita Reservada (2004)















O que importa é o estilo.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Stolen Jewels

The House of Rising Sun

Como o sol eu firo o solo com passos quentes.

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