sábado, 25 de abril de 2009

Esfinge II


Absurdamente assustadora é a face humana.
Livre de toda má intenção & mácula profana,
Segui a prumo sobre teu dorso augusto de leão.
Desci-lhe o ombro & tive com a pata, a mão em garra.

Desde a aurora do tempo está oculta a senda.
O seio de Esfinge assíria de onde brota a lenda,
Também nos diz que a história não foi em vão,
Quando no umbral do Templo for lida a maldição:

Se não tiver a força de demover o flanco do Touro,
Volve sob teus calcanhares & parti, pois todo ouro,
No vigor dos olhos dela, exige de ti também perícia,
& se não a tiveres com malícia, ai de ti se és aquém!

Dela como não convém, faz a si mesmo um bem: foge.
Da leve negra águia, porém, asas já não podem tomar.
Pois hoje já não há quem isso entenda:
Tomais, pois a dita & a prenda:
Querer, ousar, saber, calar!

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Artifício

“Os nossos amores decorriam tranquilos,
como ela queria, nas duas
dimensões do espaço apenas”.

Não me vejam.
Dissimulo outro através dos versos.
Não se pode respeitar um poeta que se pode encontrar pelas esquinas.
Por isso finjo que sou o que nunca aparece.
Se calhar sigo isso e nem saio de casa.
Visto que isolar-se é respeitar a verdade de outrem.
A única verdade sou eu.
Nem sequer isso pode ser compreendido.
Compreender alguém é aprisionar-lhe em um entendimento mínimo.
Ninguém é capaz de mais que esse pequeno entendimento.
Visto que quão maior for essa idéia que se tenha de alguém, maior a preguiça, o que não se coaduna com o sentimento moderno de pressa.
Contradiz o tédio que advém quando se julga conhecer a outro.
Assim, o melhor é nem tentar conhecê-lo e abismar-se ou apenas gozar diante as suas tentativas de se mostrar maior.
Como que por acaso.
Como quem se abala, balança com o corpo.
Ou passa o dedo entre os cabelos, fingindo que faz isso naturalmente, mesmo quando não há quem esteja olhando.

Esfinge

Senhora do Horizonte.
Guardiã do antigo Templo,
sob tua pata há o exemplo,
do abismo aberto ao ser hiante.

Antes que dê um passo adiante,
pergunto ao cerne o que és tu,
desde que partiu-me a fronte isto,
com a cor febril no radiante vértice.

Silhueta no olhar estilo:
assassina egípcia ¬¬"
- incógnita inebriante
nos detalhes em carmim...

Fora assaz obtusa
no mistério diante mim...
Fez-se silêncio na divisa de antanho:

"Decifra-me ou te devorarei, estranho"!
Mas eu trago a chave, que não portara,
o Édipo cego e delirante.

Dobra-te ante mim, e decerra o Templo
sob tua pata, e permite ao mistério,
anunciar-se ante a minha aniquilação.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Alma (reprise)

Se dos mares do mundo tua alma é refém,
se não suporta o deslinde de cada refrega,
não te mantenhas com esta face sôfrega,
pois o entristecer a natureza não convém.

Longa a noite do dia, largo o dia na noite.
Suave de doce a língua que fala da lira,
como grave e doloroso a ira feita açoite.
Porém, suaviza a vida o peso da morte.

Possa trinar o rouxinol e enternecer-te.
Não sei se tristeza ou de angústia rias
nas tardes sãs em tudo menos vazias.

Cólera ou melancolia dos ânimos cindia,
a eloqüência da chama simples dos dias,
como bálsamo ou espada dúbia é a vida.

sábado, 4 de abril de 2009

Fenícia, Egito e Babilônia.


Da Fenícia veio a vagar
letras em fim unidas.
De modo a ligar o olhar
às coisas em cadeias.
Na Babilônia,
de pernas abertas,
a ela incendeias.
No Egito,
o sábio decadente
furou os olhos
& ateou fogo às estrelas.
Descendente das antigas dinastias,
com o corpo fremente,
guardou os sinóticos
quadros da fina flor candente &
Disse à mulher o que enfim sentia:
Quando cair do corpo a semente,
irei junto com o alimento
que dá saúde a mente.
Pois, o desejo ao coito
& à realidade dirige.
Em criança a ciência
do número no nome
o deixava asmático.
Se no céu dedilhava
a harmonia em profundeza,
sobre o vértice do ar
olhava em prisma.
Na testa a ruga nova
tornada velha
lhe aprofundava na cisma,
de que no passo largo
já houvera vivido
de todo em tudo
no lance fático.
A sorte preconizara
no aceno longínquo
as tão sonhadas posses.
Fosse delas a unidade
naquilo que obtivera
antes isso a nada fosses.
Visto que para ela,
inculta e indecisa
tanto fazia ser como nada.
A azáfama atroz e malograda
das tuas falsas fauces,
nem isso eu lembrava.
Nem dissabor
nem intemperança
ou na lembrança
havia mínima raiva.
Apenas o raiar do dia da morte
iria o que sobre sua cabeça
sem o saber pairava.
Dedilhava a harpa
a morte contínua
& sem dizer palavra
para que viesse
tampouco deixaria de vir.
Somavam dias
& as lágrimas não vinham;
a certeza da indiferença
o fazia sentir inumano.
Caiu o pano
& mão na mão depositando
a sua harpa
fez-lhe ver a sua face de megera,
num rubor vivo e insano.
Ele a ansiava,
mas não sabia
com que face viria.
Soube então,
na clareza da vinha de outrora,
a certeza na excitação,
sentiu o calor e a beleza vindoura.
Os prados largos
& lânguidos são presentes
aos que firmes
para além do dia da vida
se estendem na eternidade dos sonhos.