segunda-feira, 29 de março de 2010

Tradição


Fizemos uma caminhada
em meia-lua coroando
o ponto mais oriental das Américas.

O Leste é sempre o melhor.

É do Oriente que vem a luz.

Do Cabo Branco às falésias,
por trás da Estação Ciência,
pela praia...

... o mar estava secando,
e avançou sobre a terra,
e tirou-nos da praia para o alto...

O mar secou novamente
e ainda não tínhamos
tomado a primeira garrafa de vinho;

Fizemos um café da manhã
estendidos sobre a esteira branca.
Uma outra sobre o leito do mar,
flutuante, era tapete apoteótico
do astro a quem ama a lua...

O mais digno caminhante das águas
é o elegante nauta que cavalga o céu.

Por ele Terra e Lua se degladiam,
cinzentas de ciúme
e prateadas de soberba;

A Lua não quis se misturar
com a Terra e morreu seca,
desde então inveja mares,
rios e lagos... seus espelhos.

Vestidas de manto quente,
juba de leão de eflúvios,
mechas que se douram,
opacas sugam as setas...

Brilhantes talismãs pendem
de invencíveis vestes...

Há noites em que a Lua
propalada ameaça a coerência
da terra com suas sombras.

Só restou seu duplo...

Insinuam as águas o dorso
delirante da terra em reentrâncias,
os montes sobem e se esbatem
em direção ao espaço,
onda de oitenta graus...

A Terra sonha.

... assim que o sol nasceu,
entre nuvens e o mar,
estreita faixa,
reaparecendo pouco mais
de meia hora depois,
após vencê-las verticalmente...

Voltamos quando estava o luzeiro
a um quarto de atingir o zênite...

João Pessoa é naturalmente poesia.
Somos o seu hino, monumento,
e palco da celeste capital.

Sábado-Domingo, março,
F.'.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Sobre o ateísmo

Sempre se me afigurou inócua uma crítica ao ateísmo. Primeiro que sendo a negação aquilo a partir do que se definem, criticá-los é corroborar os contornos daquilo que propriamente não tem forma. Segundo que, psicologicamente, isto os faz recrudescer, único momento em que se sentem vivos, em todos os seus recalques. A atitude de um ateu, não é própria, mas reativa. Soube dos processos que a sociedade organizada destes move contra as cruzes que encontram nos prédios públicos, no Acre.

O ateísmo reflete a falta de morada, de autonomia. Antes de significar o divino, théos quer dizer: (1) mover, (2) ver, sendo o theoi, aquele que vê; a visão mesma, sabemos que surge do movimento adequado que se dá por afinidade do vidente ao visível; (3) acabará denotando o modo de ver divino, uma vez que é, dentre todos, o termo mais abrangente na ordem dos fenômenos associados a visão, (4) enquanto metáfora para as coisas vistas pela mente, traz o sentido de causa, também (5) da epópteia.

Se estas coisas fossem vistas do ponto de vista físico mais que do moral, teríamos no ateu o protótipo da explicação da causa do movimento como geração espontânea, onde a vida, antes que surgir de nada, brota do cadáver exposto ao sol.

Não se confunda pois, isto com o que é auto-gerado na hierarquia dos Ârupa.

Como imagem deste cego que é, proclamadamente, o ateu, teríamos a toupeira, pois, desde que não é cega de nascença, torna-se em virtude de sua primeira exposição ao primeiro fio de sol, contraste com os subterrâneos onde vive e para onde volta, para construir na caverna sinônimo de sua alma, catedrais negras de escombros, com os seus iguais em um tipo de sociedade organizada.

F.'.

That Thou Art

O Não-Ser, a divindade,
não se confundiria jamais
com o que se nega...

Chhandogya Upanishad, VI

Os que dizem "deus não existe" demonstram a pobreza do conceito de existência de que se servem os modernos. Se deus não é, por outro lado, isto ou aquilo que se afirma do seu conceito o problema se desloca para o poder ou propriedades, o que é o mesmo, disto que é intuído e permite a negação. Deus não é isto ou aquilo, quer dizer que tal conceito é já uma negação, uma vez que todos os atributos estão limitados à forma humana. Para o ocidente, hemisfério atual do problema, a unidade do conceito é a única coisa que é intuída. Negar o conceito partindo do próprio conceito, que fiasco! O que está em questão não é o que é, mas a definição historicamente derivada de culturas e homens, atribuições que estavam no horizonte de sua linguagem e vida corriqueiras. Se o homem nega o atributo "bem" é que não o encontra fora, empiricamente, algo que talvez só exista enquanto conceito, isto é, como indício do que não encontra. Que intui por negação daquilo que vê. Quem nega deus o que é que nega, afinal? No aspecto formal, negar o conceito da negação é afirmar qualquer coisa. Qualquer coisa de que não se tem a noção, desde que se não explicitou a definição ou conteúdo do conceito de antemão, as qualidades, poderes ou propriedades, o que dá no mesmo. Até mesmo porque cabe a quem nega o onus probandi. Não queiramos elevar a discussão antes de examinar o aspecto psicológico, cognitivo e antropológico da questão. A negação pueril de um adolescente, geralmente revela uma impotência como fenômeno imediato. Não se desenvolveu as forças ou autonomia necessárias a autárquia, e a revolta surge como confissão de impotência. Toma-se a falta de experiência, ter tido um pai fraco ou injusto, a falta de referência de um homem forte ou os homens que são facilmente enganáveis, como os homens serão o ponto de partida material para a projeção do conceito de divindade, se provaria com isso que "deus" nem tudo pode e não é onisciente. A máxima: nós não conhecemos da coisa mais que aquilo que nela pomos, revela sua eficácia quanto a concepção sempre antropomórfica, a única imagem a que o populacho tem acesso, da divindade, muito facilmente negada em sua realidade puramente humana, espelho de cognoscibilidade. Não é a toa que o conceito de existência, tão romano, tão cristão, toma como base o indívíduo jurídico, e busca reforço, de modo não examinado no argumento do homo mensura. Essa bricolage torna-se ainda mais funesta quando, difurca-se a phýsis mediante a lente imunda da dicotomia imanência e transcendência, fazendo "deus" equivaler ao conceito daquilo que é transcendente, e carente de substância!? Conceito, forma, matéria e substância não querem, definitivamente, referir-se à mesma coisa, nem dizer o mesmo ou evidenciar as mesmas relações. Se são provisórios os conceitos, ou antes, as definições, o que importa é o argumento. Faltava apenas ao horizonte metafísico do homem moderno a cisão sujeito e objeto, apoiada no bi-substancialismo para que a questão inicial se perdesse na ininteligibilidade. Uma coisa é dizer que o cripto-crítico professor de Heidelberg é um estúpido, qualidade que nos é bastante próxima (de que participam a quase totalidade dos homens e mulheres) e que diz algo verdadeiro sobre um referente óbvio, outra coisa é o negar, o que seria um verdadeiro artigo da fé filosófica. Se por hipótese há algo como o pensamento, este se comporta como aquilo que é completamente afim à linguagem. Ora, o que é comum a pensamento e linguagem é o afirmar e o negar, ambos constituem o poder efetivo e único do ser entendido como dýnamis. O que vale para os enunciados, união de uma voz ativa-passiva a uma ação mediada pelo verbo, em todas as modalidades de relação possíveis, bem como também aos átomos, ex: cavalo, afirmação de algo como algo, e não-cavalo, negação indeterminável de tudo o que não é alvo da negação. Afirmar e negar são coisas que não se ensinam. Por analogia, desejo e gesto constituem a réplica quanto ao não-verbalizável. O que, enquanto se move, não é obra de um verbo? O metabolismo é ânsia pelo que não se tem. A fala é a falta. Se alguém já pensou ou sentiu, o que dá no mesmo, o que é negar, atire a primeira pedra se não intuiu algo por trás ou anteriormente ao que é negado. Não é isto o que te move? Que se saiba ridículo, e obviamente risível enquanto aumenta a Vontade do outro, aquele que impreca e golpeia o ar em círculo com peito exclamando vitória. Quem nega tornou-se ciente apenas do recalque que, enquanto o nega, aprofunda-o. Eis o que torna a explosão do ressentido, apesar de intempestiva para ele, mero eco de comiseração. Quem nega, reage e reafirma o negado que imerge como recalque.

Só há dois tipos de seres: as almas venturosas e as malogradas. Que mediante o recurso às lógicas não clássicas isso seja relativizado, segundo relações mui específicas, porém, só há afirmação e negação. Quanto ao que fazem de si mesmos, ora os contamos como Produtor, o prolífico, ora como Destruidores, os devoradores. Fazei o cômputo das almas e seus tipos para que se obtenha a Hora, o dia, o mês e o ano da Força.

A ilusão consiste em tomar o filtro pela coisa em questão - em que concordam Platão e Nietszche, malhas que o império tece. Somente o anzol da mentira será capaz de capturar o reizinho da consciência.

F.'.

domingo, 21 de março de 2010

Avenida II

A minha útil vida rima
escada com avenida,
vaso onde tua fútil alma
é sempre bem-vinda.

Úmida terra a mo cama,
gelo seco e fogo líquido,
ser pleno de jogo, híbrido,
anima-chama que me ama:

prende ossos contra o peito,
não há banho que dê jeito,
esse aperto n´altura do seio,

anseia pleno a meu ânimo,
a febre louca do teu arqueio
vibra dor em seu antônimo.

F.'.

Avenida

Livre da incoerência astral
sigo o tumulto das cores,
não reclamar é meu mal,
ser poeta e pintor de vitrais,
fazedor e vigia de catedrais.

Avesso a efêmeros rumores
gótico branco negro sideral;

- epótico vi o luto público
no amplo e pobre palco
ridículo dos maus atores;

mimar naufrágios e apoteoses,
e não ter daquelas dores
ou que denegar amores
ter de mim sadias overdoses,

quando falo do lampejo a dança
e doutro firmamento a pista
sei àquela rude nota do solfejo,
à forma vibro golpe de harpista,
sem ruínas ou degredo na vista.

Do alto justo da bela vingança
cinjo irascível o busto do desejo.

Faço da criação meu domicílio
isso desde que era aprendiz,
como modo eterno de ser feliz,
a rima não dorme sob o cílio:
a Vontade é manha do Destino.

Conduzo as rédeas por um triz -
corpo doura ereto em sol a pino,
alma queimo a fogo alvo,
a freira loura, meu puro desatino,
do agouro te mantém a salvo,
a Paris de hoje não é seu país.

F.'.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Girassóis

Se há vagalumes helicoidais
que giram como caracóis
à minha frente,
fruto do cansaço e da mente,
quem garante
que de mim não surjam sóis
se cada dia os vejo a mais?

Estância de Heliantos,
F.'.

domingo, 14 de março de 2010

Les vrais paradis...

... sont les paradis qu'on a perdus...

sábado, 13 de março de 2010

Orbis Pictus

Glorioso delírio, celeste loucura.

Coroarei a tua basta cabeleira da verdadeira cor de ouros lustrosos; dedos meus perpassarão em diadema a saber todos teus fios, enclavinhados ao sabor luzente e altissonante de variegados sóis; esplendor da Coroa Solar que te preparo em vida é apoteose de um teto que não enfada, auréola do Sonhador que fere o ar, na irrealidade do voo em rumores de invisíveis asas; chamaram-nos a sala dos olorosos óleos destinados aos corpos prestes à vertical ascensão; quais virgens opalescentes azeites visariam lubrificar a superfície dos diamantinos olhos, perspectivados amantes da clareza, puros, lúcidos, clareiras incendiadas a fitar horizontais linhas enlanguescendo em curvas, delirantes e sinuosas órbitas que eram ambas almas espelhos consequentes da perfeição esférica das formas; justa e bela proporção por equidistantes sejam das extremidades em função do centro, movimento circular e translação; permaneceremos cada um o mais semelhante a si mesmo, harmonia de nós em todos os sentidos e direções, enquanto o aparentemente outro é espelho, autônomo; cedo ao que é melhor; sejais assim meu digníssimo coração, condutora da comum auriga cósmica em que atravessamos metálicos os magnéticos ventos do boreal hemisfério celeste que nos perde; já sois como os corpos estrelados quais incontáveis vasos de mel que se derramam; seja seu em enumeráveis setas incandescentes ao encontro de teus vertiginosos vestidos, imensidão misteriosa do fluido que é o espaço, lábios onde pendemos a estalar em profusão de estrelas; pois és o que sou, imponderável luz, princípio e fonte, fluxo e nutriz; o universo é ora palco, ora manto, em que nos mimamos a mimetizar tantos estados de alma infinita quanto a variação dos móveis que, em nós movendo, permita sempre novas combinações de sentidos; um dia que ocorreu, porém deste veículo estar distante, num futuro acumulado, quiseste ouvir em imagem a lira; testavas-me a Memória; canto-te a glória e com voz potente, libo vinho do chão do abismo ao teto sem fim de onde bebo a força desta canção; nunca foi tão sublime o pranto vertido pela corda que fere pela eficaz feliz expressão que por primeiro te trouxe a experimentar o acúmulo de que o acento terno faz a ênfase com a violência mesma dos dedos que acompanham o tamborilar dos tempos, a quase perfazer o último Ritmo deste ciclo por antecipar a conflagração que ainda tarda; mas, no auge da elevação transforma a tua alma, nobre, esquecida, em hoje opaca caverna por prisioneira de rudes imagens, pesadas sombras que por esta Hora te entretém com efêmeras promessas; se estás triste, meu bem é que não transpuseste o umbral desta fútil paisagem em que não te encontras; atira ao fogo essas carroças e as palavras lentas que te não transportam àquele reflexo inexcedível, pois é à distância dos véus lunares que a música toca, aquela que canta o que te torna afim ao Belo; dás cabo logo dessa pausa desnecessária entre a sístole e a diástole para o fluxo fazer jus ao Eterno.

F.'.

terça-feira, 9 de março de 2010

Erscheinung

- sich Sein, Schein
Aparece o som que é brilho
e que te parece uma sombra.
O teu desdém é uma cobra
que te leva fora do trilho.

Trila a flauta dos pastores:
o amor é som macio da falta.
Se te engana olhos sem vigor,
rudes teias tramam maus atores.

Encarceram-te as nobres cores,
frutos dos afetos em flor...
Saiba à faca sagaz com rigor,

interceptar todos os nós.
Restaremos nós dois a sós,
rios a rir, alegres vetores.

F.'.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Sit Tibi Scire Satis...







Noite, vou buscar o frio em tuas maneiras.
Ó pássaro sensível e casual que fere o ar
abana-me serviçal, teu corpo é meu leque.

Dorso de rios, filhos luminosos
meu corpo cósmico pontilhais...

Caem da ribanceira do céu
coroados fios
que estico, meço...
Corro a imensa distância
em um lance...
Chego em estilhaço:
cristalino, líquido...
& no centro da amada estrela me refaço.

A luz! Os deuses são minhas crias.
Enquanto minha imaginação retém,
são minhas reféns todas as emanações;
tensões que a minha condição,
em estendido arco o diapasão mantém.

Indiferença para com o Mundo,
Tudo menos o Óbvio;

Minha revolução solar
segue no meu corpo matizado,
na ilha da Ajuda,
cercado de lado a lado,
a água assoma e volteia.

Escrevo como quem esconde os rastros
dos passos das sandálias
quase aladas assemelham
aos horizontes plácidos
estendidos das areias
aos rios que encontram mares,
encimados por vasto dorso,
paleta de céu azul e seus matizes,
nuvens cinza tenazes,
cosmo de pedras brilhantes os ares espelhados,
fios de prata pendem nos abismos
do sideral hangar escuro,
as naus que partem dos olhos
desejam a terra primeira reaver,
enquanto os laços que unem os corpos
fazem a festa dos sons quais luzes
pelos espaços dimanando contrastes
do mel que é o véu surdo
onde a música se faz em silêncio
tremeluzindo das tremelgas e das refregas,
se enclavinhando em sol,
escorrendo pelos mis, sis,
nunca para os vis vasos ocos, ocaso...

Irado, arrepio caminho açoitando as feras.

No tônus do gastrocnêmico músculo
bate o pendão da vitalidade
irradiado pelo coração que me ama.

Paraíso oceânico oscilante em suas vestes.
Dolorosa, quanto mais inflexível, mais amorosa.

Acredito nas Moirai, nas Parcas:
Fiandeira, Distributriz e Inflexível,
forças cósmicas que preconizam o Destino
inexorável e inexcedível,
da vida sentida contida em seus limites,
elas que distribuem as mortes,
as sortes e as partes que cabem a cada um
– alguém possa girar a mão do destino?
Tornar-se o próprio?
Sistema de interpretação global das ações
– manobras de seu centímetro cúbico de chance.

Ordo ab Chaos

Seria o ser humano um ponto de ordem em meio ao caos?
Para responder essa pergunta é preciso refletir,
como hoje percebi,
sobre as relações do Destino com o acaso e a Vontade.
Misturo as coisas que suspeito com a parte delas
numa lição sobre a ancestral Arte da Espreita.
O que vem a ser?
Uma técnica de interpretação do real
e das ações que comporta.
O conhecimento da intenção
ou intuito dos entes:
animados e/ou inanimados.
Intuição da natureza íntima, a volição.
Onde a chave é Vontade e ação impecável.

Mente sonante corpo partes
unem-se por fio de mesma nota.
Rente do metacarpo ao core
faça com que flores manem.
Perfil em paleta multicolor
em resma esférica brota.

Carente e silente o arpão da dor
pela inércia no fito frisa de gelo
o peito outrora contínuo.
Tua rota é sol nascente
aonde vais tu calor buscar
para que te prenhe o dorso,
ao invés de na tolice chafurdar.
Empenha tu o último anel nefando
de tuas não revisadas cadeias,
opressivas opiniões:
tuas nuvens em dias de luz
como sempre são os dias do sem tempo,
aquele para quem a lua é uma célula
que ao girar atomística ulula,
dimana encantos,
nas plenas paragens
que a intuição ao dissolver tempo & espaço,
cisões e hipérboles devolve
porque as abole através de decisões irrevogáveis,
quando traz o senso de ser um
& não receia que a ceia de si
seja o metabolismo de suas próprias idéias,
e que não haja espelho melhor
que o que não se pode ver debaixo a pele,
o véu que cobre os sentidos exteriores
de não ser o que se vê,
entanto que o que configurou
seja nada menos que sua atitude criativa.

Como o sol eu firo o solo com passos leves.

Palmas para o que me projeta no futuro.
Exercitar o seu centímetro cúbico de chance
é tornar-se regente do próprio destino
– como o que sabe de cor executar
os passos conforme a música –
ousa poucas vezes levantar a baqueta
e operacionalizar novos registros.

Amarrações – as conjunções.
I can face your treats
I fancy your threats

Conjugo seus desejos
de acordo com a entonação de teus pedidos,
faço os laços não como quem forja amarras,
porém como quem entre dois corpos
a água une e a eletricidade permite circular.

Necessidade é a força que os deuses temem.
Mais antiga e veneranda
rendem-lhe o respeito com horror.
Eles próprios são seus filhos.

Os atomistas acusavam Acaso (tychén)
e Necessidade (Ananké)
como as molas mestras do cosmos.
O Destino é a síntese das querenças necessárias.
Entre Destino e Acaso,
a Necessidade impele os entes conforme Vontade
– ainda que o termo seja posterior –
a boulesis – a querença, o metabolismo que tudo move,
o espaço vazio...

A matéria...
Essa tendência sem lustre no interior do que é,
isto mesmo, nada mais que tendência...
Deixe os tolos achar que há substância!

As quatro raízes elementais puras,
que se não vêem separadas,
não seriam a matriz nutritiva do fluxo
se não houvesse o que animasse o vórtice
que ao indiferenciado sem limites separa
para tornar possível o número,
a quantidade discreta
e a qualidade das coisas que nascem juntas
da diferenciação interna do todo,
segundo a ordem do tempo que é regido pelo princípio
[o arcaico poder originário – arkhé],
e isto chamamos Justiça (Diké)
que é deusa do Direito Solar,
antiga, irmã de Necessidade (Ananké)
e da Memória (Mnemosina).
A Vitória (Niké) é para a Virtude (Areté)
o que o momento oportuno (Kairós) é para a Fortuna,
e o dia do Nascimento (Nascitur) Solar,
ao coincidirem os planetas de forças inclinantes
(Astra inclinante non determinat),
configuram os ângulos, os vértices, os eixos,
o zênite e o nadir, poente (ponitur)
e o seu início contrário, cíclico, sucessivo,
onde fatos afins não se podem dizer no indicativo,
tudo torna-se eventual,
e o sucesso depende da impecável marca maior do vetor que,
ao alçar vôos sobre os pés graças as asas que vai buscar,
após descer aos infernos (inferus),
leva consigo os seus desta terra devoluta,
dado o abraço que é o enlace,
embebeda como o vinho seco e quente,
que nas veias alteia o melhor ânimo,
qual chama violácea, tremeluzente e firme
movimento espiralado que perfaz cada ponto,
alef em que convergem os demais pontos
e onde o espaço se anula em absurdas absissas
e abissais intersecções que propiciam propulsões
em arcos estilingues catapultando,
sem sair do lugar –
o movimento se diz de muitos modos.

O mal surge da inércia dos sentidos.

O mal é apenas um braço do rio da força.

Precisa ser batido ciclicamente,
senão o mal que é o contentamento
e a satisfação ilusória
desde que a verdadeira não existe),
enraíza.

Não basta mover-se sempre,
para todos os lados,
debater ou gritar, contudo,
acertar sempre mesmo
que impossível seja é a maior divisa.




















Falo de Yggdrasil.
Falo do Ragnarok.
Do Crepúsculo e de todas as terras,
da Raíz Sagrada de onde mana a existência,
sustentáculo e nutriz universal,
coluna esquerda basilar da ordem
e das repetições harmônicas
da diferença na semelhança.

Como um pêndulo de vagas desiguais
o Bem deve submeter o mal,
e o ódio dar lugar ao Amor,
liga insecabile linea.

Assim como dos entes gerados
a corrupção é o mal físico inexorável
que corroi a liga que antes unia,
fator coesivo, ou alma,
no plano moral é a inércia
e o desvio que minam as instituições
que devem ser sacrificadas ao fogo
para que não tomem conta da Raíz Sagrada
de onde mana a vida em abundância,
único ponto onde a Ciência
deveria deter-se e saber a si,
antes de atentar contra o âmbito maior,
a ambiência vital, o Valor insofismável:
a Vida ululante, nossos ânimos e seus humores.

Falarei da personificação da força cósmica Necessidade,
segundo os véus da mitologia grega e nórdica.
Assim as Nove Musas me disseram.
Que das Parcas,
Fiandeira põe o fio no fuso da roca,
roda da Fortuna que gira e estica a corda.
Distributriz mede e pesa todos os atos com justeza
e os distribui nas durações que a extensão do fio
permite e na tensão em que outras sazões aguente.
Inflexível, é sempre representada,
a par de seu instrumento cortante -
as melhores imagens são as de Bergman e Gaiman -
a foice e o olhar de infinito são suas marcas,
seus andrajos pretos são de quem já não se importa
com a alegria das cores.

O mote é o seguinte:
Onde houver Sorte haverá que se diga Partes e Mortes
que dá no mesmo e confere sentido à existência,
faz de Sorte, Parte e Morte uma palavra só,
isso os gregos bem entendiam,
e o que tudo isto quer dizer, para isto,
tinham uma só palavra,
e a força das Moiras era uma só sua imagem.
As partes dão-nas as Moiras,
que compõe corpos tais os lances fazem enlaces
quando os compostos se lançam no mar límpido das horas,
oceano quente & plácido.

Sei que incorro no temerário erro de julgar
o que as aparências mostram
(redundância cíclica, pois phainô,
donde phainómenon indica as coisas
que são já dadas onde aparecem).

Como erudito deito o pau na imaginação.
No papel me reconcilio que ela.

Felizes os intrépidos,
os em quem o espírito
fez morada de futuro.

E eis o seu martírio.

É que ainda que comunguem do lógos,
não ouvem nem escutam a voz interior,
aquela que reúne todas as coisas, homologa.









Falarei agora dos Shensu-Hor,
isto é, dos Seguidores de Hórus.
Quando Osíris, Senhor de Todo o Desígnio,
tem de dobrar-se à Necessidade
da Máscara de sua Divina Pessoa,
o palco cósmico universal se faz
para a encenação do drama cósmico particular,
o sacrifício, e seu corpo,
de uma unidade feito facelas por Seth
que é como Locke,
o terceiro debaixo para cima,
ou o primeiro da segunda tríade,
onde da tensão das partes perdidas
ou do território dos Dois Reinos Egípcios,
do Alto e do Baixo,
é o prenúncio caótico
que prefigura a restauração da Ordem.

Hórus, instruído por sua mão Ísis,
Matriz Universal da Vida,
água do Nilo, filha primogênita de Nuit,
mãe de Noite, Estrelas e Deuses,
derrota Tifão, e Seth,
e recupera as partes perdidas do pai,
sendo elas embalsamadas por sua esposa e irmã;

Μοῦσα, τίς πρῶτος λόγων ἆρχεν δικαίων;
Musa, permite-me ser alguém que por primeiro
ao poderoso discurso fez jus!

Do princípio que é a Arte da Regência eu agora falarei.
Há hierarquias.
A primeira delas é uma divisão simples
entre animados e inanimados.

Para nós, a mais evidente das distinções,
porém, é a que separa os corpóreos dos incorpóreos,
o que nunca se poderia, de fato, desligar,
desde que não há corpo que não seja animado,
e não há movimento
que não perpasse os recônditos espaços
entre as estruturas mais ou menos estáveis,
os átomos que nos configuram perceptualmente.
Mediante isso, os animados
que possuem o magnetismo animal tornam-se,
obviamente os valores primeiros inalienáveis,
que não se trocam por serem valiosa moeda,
muitas vezes e apenas para si,
são os capazes de exercer empuxo sobre os demais espíritos,
de muitos modos.

Os deuses são nossos filhos.

Entanto, eles agem como nossos pais,
porque quando nos cremos sabedores
somos os entes mais estúpidos que pode haver.

Quero promover a eunomia (o amor da ordem).
Querendo ensinar a profissão ao perito.
Ó Menestrel, ó Bardo das Ravinas...
Tenha calma, Senhor Íntimo,
pois de uma alma a outra
o conteúdo não cessa em tornar-se um dia.

Talia si iungere possis

F.'.

Deserto e Infância

Durante milênios cantei a uma fria estrela
a esperança que ela um dia me devolvesse o canto.
Como tigre ansioso, qual não foi o meu espanto
sabê-la sôfrega sob o manto de uma criança!

Cruz a meu peito que furiosa crepita em chama,
sai em luz a perscrutar as pedras deste fiasco!
Por amor ao vasto espaço minha alma se derrama
como perfume que não se prende ao frasco...

Verti o ponto em linha, noite tornei dia, tudo fiz...
Subi a esteira de todos os olhares sobre o palco
para mendigar gestos nobres de um corpo opaco.

Entre o silêncio tosco de uma pálida atriz,
cega que com muda voz surda tateia,
vi cheia a lua envolta em glória alheia...

F.'.

Hypérion II

Sob a égide sangrenta dos conflitos cósmicos
perante o palco onde a vontade se afirma,
construí pontes para ti, minha irmã,
estrela alva em teus rítmicos abalos sísmicos.

Defraudarei bandeiras e canto a glória de Apolo.
O que seria de ti, olímpico, sem o titã
que é o espelho negro de tua vitória,
irascível solo que há por trás da tênue manhã?

Passos céleres de Aurora cavalgam a montanha...
Rosados dedos te deram o ilustre aedo.
Canção honrosa para os que acordam cedo.

O carro lento avança em altivez tamanha
que os mortais ainda hoje te cantam a façanha
e seguem em coro a quem lhes abranda o medo.

F.'.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Hypérion

À Diótima, sangue cintilante,
extenso caudal de rio...

[...]

Hoje tens o sorriso febril
que amedronta estrelas.

[...]

És o pêndulo em que se perde a Hora.

F.'.


segunda-feira, 1 de março de 2010

Orfeu e Euridíce

Meu amigo leva mais tesouros na alma
que insígnias no peito.
Se não te sabem, tenhas calma;
Não te partas, não há jeito!

Imagens faltam do que é perfeito.
Perdoa-me o que de ti meu ser projeta.
Canto-te, músico, pois hoje não és poeta!
Precisas de mim, apesar de meu defeito.

Tens a densidade de um lírio,
e a energia de um deus,
sabem-te afeiçoado ao delírio
cada um dos amigos teus.

Como imortais as cores belas
que hoje mortas vivem em tuas notas,
barrocas oposições em telas,
sabem à tua irmã que mede as cotas.

Certa noite te perguntei porque arde teu coração.
Por Euridíce, mo disseste,
só ela há naquele nobre salão...
... na carne dela tardam os olhos para dourado Leste.

Perguntamo-nos o que lhes toldam,
e descobrimo-lo com assombro,
são as sombras que saem do escombro,
e fiam malhas com as opiniões que moldam.

Querem cegá-la com peneiras,
e teceram-lhe um cruel destino!
Projetam-te o Hades, vítima do desatino,
para que façais felizes às toupeiras.

- Por que te curvas, ó minha pérola,
com que infames laços e vis encantos
te atam a terra esses verdugos anões?

F.'.