quarta-feira, 24 de março de 2010

That Thou Art

O Não-Ser, a divindade,
não se confundiria jamais
com o que se nega...

Chhandogya Upanishad, VI

Os que dizem "deus não existe" demonstram a pobreza do conceito de existência de que se servem os modernos. Se deus não é, por outro lado, isto ou aquilo que se afirma do seu conceito o problema se desloca para o poder ou propriedades, o que é o mesmo, disto que é intuído e permite a negação. Deus não é isto ou aquilo, quer dizer que tal conceito é já uma negação, uma vez que todos os atributos estão limitados à forma humana. Para o ocidente, hemisfério atual do problema, a unidade do conceito é a única coisa que é intuída. Negar o conceito partindo do próprio conceito, que fiasco! O que está em questão não é o que é, mas a definição historicamente derivada de culturas e homens, atribuições que estavam no horizonte de sua linguagem e vida corriqueiras. Se o homem nega o atributo "bem" é que não o encontra fora, empiricamente, algo que talvez só exista enquanto conceito, isto é, como indício do que não encontra. Que intui por negação daquilo que vê. Quem nega deus o que é que nega, afinal? No aspecto formal, negar o conceito da negação é afirmar qualquer coisa. Qualquer coisa de que não se tem a noção, desde que se não explicitou a definição ou conteúdo do conceito de antemão, as qualidades, poderes ou propriedades, o que dá no mesmo. Até mesmo porque cabe a quem nega o onus probandi. Não queiramos elevar a discussão antes de examinar o aspecto psicológico, cognitivo e antropológico da questão. A negação pueril de um adolescente, geralmente revela uma impotência como fenômeno imediato. Não se desenvolveu as forças ou autonomia necessárias a autárquia, e a revolta surge como confissão de impotência. Toma-se a falta de experiência, ter tido um pai fraco ou injusto, a falta de referência de um homem forte ou os homens que são facilmente enganáveis, como os homens serão o ponto de partida material para a projeção do conceito de divindade, se provaria com isso que "deus" nem tudo pode e não é onisciente. A máxima: nós não conhecemos da coisa mais que aquilo que nela pomos, revela sua eficácia quanto a concepção sempre antropomórfica, a única imagem a que o populacho tem acesso, da divindade, muito facilmente negada em sua realidade puramente humana, espelho de cognoscibilidade. Não é a toa que o conceito de existência, tão romano, tão cristão, toma como base o indívíduo jurídico, e busca reforço, de modo não examinado no argumento do homo mensura. Essa bricolage torna-se ainda mais funesta quando, difurca-se a phýsis mediante a lente imunda da dicotomia imanência e transcendência, fazendo "deus" equivaler ao conceito daquilo que é transcendente, e carente de substância!? Conceito, forma, matéria e substância não querem, definitivamente, referir-se à mesma coisa, nem dizer o mesmo ou evidenciar as mesmas relações. Se são provisórios os conceitos, ou antes, as definições, o que importa é o argumento. Faltava apenas ao horizonte metafísico do homem moderno a cisão sujeito e objeto, apoiada no bi-substancialismo para que a questão inicial se perdesse na ininteligibilidade. Uma coisa é dizer que o cripto-crítico professor de Heidelberg é um estúpido, qualidade que nos é bastante próxima (de que participam a quase totalidade dos homens e mulheres) e que diz algo verdadeiro sobre um referente óbvio, outra coisa é o negar, o que seria um verdadeiro artigo da fé filosófica. Se por hipótese há algo como o pensamento, este se comporta como aquilo que é completamente afim à linguagem. Ora, o que é comum a pensamento e linguagem é o afirmar e o negar, ambos constituem o poder efetivo e único do ser entendido como dýnamis. O que vale para os enunciados, união de uma voz ativa-passiva a uma ação mediada pelo verbo, em todas as modalidades de relação possíveis, bem como também aos átomos, ex: cavalo, afirmação de algo como algo, e não-cavalo, negação indeterminável de tudo o que não é alvo da negação. Afirmar e negar são coisas que não se ensinam. Por analogia, desejo e gesto constituem a réplica quanto ao não-verbalizável. O que, enquanto se move, não é obra de um verbo? O metabolismo é ânsia pelo que não se tem. A fala é a falta. Se alguém já pensou ou sentiu, o que dá no mesmo, o que é negar, atire a primeira pedra se não intuiu algo por trás ou anteriormente ao que é negado. Não é isto o que te move? Que se saiba ridículo, e obviamente risível enquanto aumenta a Vontade do outro, aquele que impreca e golpeia o ar em círculo com peito exclamando vitória. Quem nega tornou-se ciente apenas do recalque que, enquanto o nega, aprofunda-o. Eis o que torna a explosão do ressentido, apesar de intempestiva para ele, mero eco de comiseração. Quem nega, reage e reafirma o negado que imerge como recalque.

Só há dois tipos de seres: as almas venturosas e as malogradas. Que mediante o recurso às lógicas não clássicas isso seja relativizado, segundo relações mui específicas, porém, só há afirmação e negação. Quanto ao que fazem de si mesmos, ora os contamos como Produtor, o prolífico, ora como Destruidores, os devoradores. Fazei o cômputo das almas e seus tipos para que se obtenha a Hora, o dia, o mês e o ano da Força.

A ilusão consiste em tomar o filtro pela coisa em questão - em que concordam Platão e Nietszche, malhas que o império tece. Somente o anzol da mentira será capaz de capturar o reizinho da consciência.

F.'.

Um comentário:

sotero rubens disse...

o homem é o criador de todos os valores, mas esquece sua própria criação, e depois vê nelas algo de eterno, perfeito e transcendental, mas esquecem que tais valores não mais que algo humano, demasiado humano. Nietzscher

"deus é uma conjetura. quero que vossa conjetura nao vá além da quilo que se pode criar. podes criar um deus? entao nao me fales de deuses.

deus é um pensamento que torce tudo quanto está fixo.

se houvesse deuses como poderia eu suporta nao ser um? por conseguinta nao ha deuses. ...agora essa conclusao é que me tira." zaratustra.

"aquele a quem chamam o Salvador pôs-lhes as algemas. as algemas dos valores falsos e das palavras ilusórias" zaratustra, ou melhor, nietzscher